Seja bem-vindo

A proposta é descrever o que penso, sem o compromisso de fazer pensar como eu penso. É também um questionar de algumas situações que me cercam, me alegram, me incomodam, enfim, me descontroem e me constroem a cada dia. Pensar sem medo de fazer um auto-flagelo de idéias que devem ser maltratadas a ponto de serem expurgadas, se preciso for. Pensar e repensar no que creio e no que deixo de crer.

Se eu conseguir pensar sobre o que penso e de alguma forma multiplicar o que penso, seja para que outros pensem parecido, ou para que outros pensem exatamente o contrário do que penso, me fazendo repensar, ficarei satisfeito.

(no começo, eram reflexões sobre as aulas de Teologia no Centro Universitário Bennet)

31.10.04

Filosofia - O rompimento com o mito. A Arqué e o mundo da natureza

Historicamente a cultura e a filosofia grega são compreendidas em três períodos:
Período homérico – A cultura é praticamente construída em cima dos textos de Homero, Ilíada e Odisséia, e de Hesíodo, Teogonias. É a época da explicação mítica.
Período arcaico ou pré-socrático – Surge os primeiros sábios filósofos que lentamente rompem com a explicação mítica. Todos os filósofos deste período estão preocupados e explicar a natureza.
Período Clássico ou socrático – É o período do desenvolvimento das idéias em todos os campos: filosofia, arte, política, literatura, ciência. São representantes desse período, Péricles, Sófocles, Sócrates, Platão e Aristóteles.
Período helênico ou greco-romano – Os romanos dominam a cultura grega, fazendo de Alexandria, no Egito o centro da cultura. Surge na Grécia e em Roma uma pluralidade de filosofias moralistas.

Quando os gregos abandonam a explicação mítica, os primeiros pensadores ficam espantados com a multiplicidade dos elementos da natureza e começam a se perguntar sobre eles. Neste período, conhecido como período cosmológico, devido ao fato de os filósofos considerarem a natureza com fonte única dessa multiplicidade, busca pelo princípio de todas as coisas – a arque. A arque designa aquilo de onde alguma coisa vem e surge. É a unidade que explica a multiplicidade.
Para Tales de Mileto, a arque é a água. Para Pitágoras, eram os números. Parmênides considera como arque, uma unidade essencial: o ser. Heráclito chama o fogo de arque. Como o fogo o mundo está em permanente movimento e transformação. Tudo flui e muda. Para Demócrito e os atomistas a arque é o átomo – partes indivisíveis.
Nesse momento é a Filosofia que faz compreender tudo o que existe, revelando o que se oculta fazendo com que a realidade mostre-se acima da aparência. Aos poucos, os filósofos tomam palavras de significado imediato e mítico e as utilizam com o sentido cada vez mais abstrato. Tentam chegar, desta forma à explicação racional da totalidade e da realidade, sem recorrer ao mito.

Filosofia - Diferenças entre Filosofia, Teologia e Ciência

Antes de existir qualquer conhecimento, seja em forma de ciência ou de qualquer outra expressão de conhecimento, existia a Filosofia. Nesse sentido, ela é a origem de toda ciência, mas não é ciência. Isto não subtrai dela suas principais características: Conceituação de idéias, raciocínio lógico, capacidade analítica e crítica. A filosofia se preocupa com os fundamentos e princípios, já ciência se ocupa com os objetos empíricos. A Filosofia não tem objetos determinados e qualquer tema pode ser objetos da reflexão filosófica. Quanto eu penso em Biologia, por exemplo, eu determino, delimito seu objeto à vida e ao estudo dela. A Filosofia está em busca da verdade, mas não uma verdade que pode ser provada, como no caso da ciência, que observa, prova e demonstra a verdade proposta. Não uma verdade, como a verdade Teológica que é revelada, mas não é provada. Quando busca a verdade a Filosofia não está preocupada em encontrá-la, mas em argumentar e fundamentar essa busca, mesmo que a verdade não seja encontrada. Filosofia é um conhecimento com fundamentos e reflexões, nas que não tem objetos e não tem a verdade. Ciência é um conhecimento que tem objetos e os põe a prova para demonstrar, através da experimentação a verdade do objeto em si. Teologia é um conhecimento que tem reflexões, mas o objeto é a experiência da fé, e a verdade não é provada, e sim revelada.

Antigo Testamento - Profetismo II

Os livros do profetismo contêm palavras de Deus e dos profetas. Além disso encontra-se me forma de narrativa parte da biografia (fictícia) do profeta. Estes relatos narrativos, geralmente colocados no início do profeta, estão a serviço do anuncio da palavra. Legitima-se o assunto através destas narrações, bem como do relato de vocações, visões e audições. A história de suas realizações destaca e concretiza a mensagem anunciada. Existe uma forma básica do discurso profético onde se destaca a autocompreensão dos profetas: a palavra justificada de juízo ou o anúncio justificado de condenação.

1 – O profeta se apresenta como mensageiro enviado de javé, cuja função oficial é anunciar a palavra de Deus que o próprio Javé lhe deu.
2 – O dito do mensageiro situa-se entre a crítica do presente e uma declaração para sobre o futuro. Sobre o futuro, a palavra do profeta está totalmente na dimensão de Javé e sobre o presente, podemos entender que havia uma “produção própria” onde o profeta, utilizando seu carisma fornece fundamentação da verdade da palavra de Deus. Olhando para esta forma básica temos os seguintes elementos da autocompreensão do profeta:

A – Ele é o portador de palavras concretas de Deus e precisa comunicá-la sem perguntas ou sem contemporizá-las.
B – De tudo aquilo que o profeta recebe, ele tem a possibilidade da análise contrária e da critica do presente.
C – O profeta leva a palavra às instancias que gerem publicidade para a palavra (Rei, dirigentes, sacerdotes e também ao povo).
D – O profeta é crítico, visionário e “protestante” e sua única legitimação é sua experiência direta com Deus.

Profetismo “verdadeiro” e “falso”

A comunicação das palavras de Javé de forma atual, concreta e sem contemporizar, torna o profetismo legítimo até para criticar o que é considerado sagrado. Em função disso, os profetas “escriturísticos” se opuseram “aos profetas”, que era uma instituição profética do templo dou da corte que também diziam ter recebido as palavras diretamente de Deus. Sob essa óptica foi desenvolvido 5 critérios para revelar o “verdadeiro” profetismo:

1 – A salvação não é uma certeza. Havia um discurso crítico e provocante. (cf Mq. 2.11)
2 – Não há arrogância e autoconfiança na apresentação do profeta (cf. Jr. 27s)
3 –Verdadeiros profetas não são “assalariados”, sendo, portanto independentes e livres (cf. Am. 7.10-17).
4 –A vida do profeta condiz com a mensagem (cf. Jr. 23.14).
5 – Há uma “voz vocacionada” e não uma procura pela atividade de profeta. Muitas vezes, ele o é contra sua própria vontade (cf. Is. 6).

Profetismo fora de Israel

Neemias 22-24 fala do “vidente” Bileâm da Transjordânia, conhecido pelas inscrições encontradas nos séc. IX ou VIII a.C. Temos, também, o relato da luta de Elias contra 450 profetas dos baalim (1Rs. 18.18). Jeremias discute com os acompanhantes proféticos de delegações de estrangeiros que visitaram Israel (Jr. 27.9). A visão comparativa entre os profetismo do antigo oriente e de Israel é a seguinte:

1 – Há muitos pontos em comum entre o profetismo do mundo envolvente e o da corte e do templo de Israel. Os textos do antigo Oriente mostram de forma historicamente mais adequada o “profetismo de salvação” que a Bíblia hebraica menciona de forma marginal e polêmica.
2 – Diante do pano de fundo do profetismo do antigo Oriente dão aos profetas de oposição em Israel um perfil ainda mais marcante, sobretudo no que se refere aos questionamentos sociais e éticos. Em parte alguma os profetas do antigo Oriente se preocupam com a sorte do povo, como acontecia em Israel.
3 – Mesmo tendo sido colecionadas e arquivadas, as palavras dos profetas do antigo Oriente não foram o ponto de partida da formação de uma tradição que fosse comparável à “interpretação profética dos profetas”.

Relevância do profetismo

O profetismo dá o corretivo necessário às instituições políticas e cultuais. Há registros em Dt. 17,8-18,22 onde se percebe a idéia que o carisma profético é aquele poder acima do reinado, juízes e sacerdotes. Diante dos profetas, em caso de conflito, estes três poderes precisam se legitimar. Por serem críticos e visionários, os profetas de Israel revelam onde e por que Israel se afastou de sua missão e proclamam um novo mundo futuro, que supera a realidade existente. Eles criticam, observando a história passada, a história presente combatendo a fé errônea de que tudo precisa continuar como está. Projetam “sonhos divinos de um futuro, que trará perfeição à história a despeito de toda evidência contrária”. Relativizam o poder dos poderosos e a fraqueza dos impotentes. Os profetas “foram e continuam sendo a necessária provocação de Deus em todas as esferas da vida social e religiosa”.

23.10.04

Antigo Testamento - Profetismo I

O termo profeta recebeu no ocidente, um valor muito menor do que o era na sua originalidade. Há uma crença de que profeta é aquele que prediz o futuro. Esta idéia, infelizmente foi também difundida pela pregação cristã que sempre mostrou os profetas como homens a quem Deus enviou para anunciar o Messias. Percebe-se com muita clareza que esta função ocidentalizada e cristã dos profetas não é, de fato uma realidade, quando, ao examinarmos os textos da profecia, encontrarmos poucos textos messiânicos. A foco principal dos textos proféticos são os testemunhos sobre Deus. Até mesmo pela expressão hebraica para profeta (nabi - Chamador chamado), temos a idéia do que realmente era um profeta. Ainda na sua designação grega (prophétes - porta-voz da divindade perante o povo), não temos a idéia simplória de que profeta é aquele que prevê o futuro. Os livros do profetismo são uma seleção do profetismo de Israel em dois sentidos:

1º - Nesses livros estão preservadas tão-somente palavras dos personagens chamados de “profetas escriturísticos” e a continuação escrita de suas palavras. Historicamente isto limita o tempo do profetismo ao tempo em torno das duas grandes crises existenciais de Israel. Os livros dos profetas escriturísticos que trazem o seu nome mostram um quadro histórico muito limitado, por conter somente uma seleção de suas palavras e estas na forma de múltiplas revisões continuadas.

2º - Através dos livros do profetismo e da história, conclui-se que houve concomitantemente aos profetas escriturísticos, outros profetas que afirmavam estar falando em nome de Javé. Esses tinham um número maior e eram melhor aceitos por seus contemporâneos. Eram essencialmente "profetas de salvação" e serviam à estabilização religiosa do Estado e anunciavam o apoio libertador de Javé, ao passo que os "escriturísticos" evidenciavam-se como críticos públicos e como anunciantes do juízo e da destruição. A história deu razão aos profetas da desgraça e não aos profetas de salvação, portanto, suas palavras se tornaram o cerne do profetismo "canônico".

Podemos perceber que ouve uma diversidade de atuação profética em Israel pela multiplicidade de termos que a bíblia hebraica designa “profetas”, bem como do fato que, por exemplo, Amós recusou-se a ser chamado de nabi (comunicador vocacionado da palavra de Deus = profeta), nem ben-nabi (filho de profeta = membro de uma irmandade profética), mas não se opôs a ser chamado de hozeh (vidente). Outro designativo antigo é “Homem de Deus” que sugere poder miraculoso, singularmente o carisma da cura e da divinação (indagação a Deus). Outros termos como ro’eh e hozeh (vidente/clarividente) também são usados, pelos quais se destaca a recepção da palavra de Deus que se processa por meio da visão e audição.

Podemos observar as seguintes diferenciações - grosso modo - em função da atuação dos profetas de Israel. :

1º - Profetas de congregações ou irmandade – Eram chamados de “filhos de profetas de profetas” e formavam comunidades de profetas em torno de Samuel, Elias e Eliseu. Seu contato com a divindade é por meio do êxtase (musica e dança), atuam como curandeiros, transmitem oráculos de Deus, são conselheiros populares, milagreiros e causadores de instabilidade política. Vivem como pastores e agricultores, porém se reúnem para “sessões” profética com seu mestre na “escola de profetas”.

2º - Profetas do templo – Tinham como função principal interceder e anunciar a partir de Deus no contexto do culto. São subordinados aos sacerdotes e são funcionários do Rei e por isso são criticados.

3º - Profetas da corte – Estavam a serviço do rei e de sua política e tinham a função de assegurar a paz diante das situações críticas e afastar as desgraças.

4º - Profetas independentes, de oposição – Em termos de número foi o grupo menor e menos respeitado no tempo de sua atuação. Quanto à história de sua influência, constituem o grupo mais importante. Com exceção de Hab, Na e Jl, todos os profetas escriturísticos fazem parte desse grupo. São os “videntes” dos primórdios. Sua biografia está oculta nos livros que receberam seus nomes. É cada vez mais duvidosos que se consiga resgatar as palavras “autênticas” desses profetas. São oriundos de ambientes sociais distintos (Amós e Miquéias: agricultores; Isaías: professor de sabedoria na academia de Jerusalém; Jeremias e Ezequiel: filhos de renomadas famílias de sacerdotes com perspectivas de carreira sacerdotal). Foram arrancados desse ambiente por sua experiência de vocação. Apresentam-se onde as instituições apodrecem. Devem ser incluídos num contexto sociológico mais nos grupos periféricos que nos centrais. Isaías, “não pode andar o caminho desse povo”; Amós é estrangeiro e defende a causa dos pobres; Oséias recebe sua formação profética na vida familiar; Miquéias vem de uma cidadezinha interiorana contra os poderes da capital; Jeremias vive solitário e é até perseguido pelos mais próximos. Nesse sentido a s história do profetismo clássico é uma história de martírios.

5º - Profetas literários (interpretação profética de profetas) – O que se quer dizer do texto entre parênteses é que nenhum livro de profeta é da autoria do profeta, cujo nome lhe foi dado. Parece mais correto entender que houve um círculo de profetas que fizeram uma interpretação profética dos discursos dos profetas que deram nomes aos livros, discursos esses que eram palavras breves e isoladas. É fácil de entender isso quando pensamos na possibilidade de um profeta ter dito, por exemplo “quem corre cansa”, palavra curta e isolada, e que, posteriormente, foi feita uma releitura e estabelecida em textos, parecidos com: “houve um homem, chamado por Deus, da terra tal, filho de fulano, que recebeu da parte de Deus a mensagem “quem corre cansa” e que transmitiu ao seu povo. Não obstante estabelecer este texto, em outra época o mesmo era reeditado segundo a visão do momento da reedição até que chegasse ao que conhecemos hoje como livro. Originalmente, o profetismo tinha características de juízo. Grande parte dos livros de profetas é composto sob a ótica salvífico-escatológico, seja mostrando a necessidade de arrependimento, seja anunciando a salvação realizada por meio do juizo. Está presente na maioria dos livros proféticos o discurso da desgraça-salvação.

Até a próxima...